quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

No filme do monstro fui tachado como tal

Realmente segundas-feiras não são muito agradáveis. Pode ser pelo fato de termos aproveitado ao máximo o fim de semana ou simplesmente por que no fundo desejamos que o ar pesado trazido pelo trabalho ou pelo estudo demorasse mais um pouco para voltar, mas é certo que sempre irão existir dias que conseguem nos atingir. E justamente no dia 25/02, segunda-feira, foi um desses dias pra mim. Tudo pelo fato de ter aceitado um simples convite para ir ao cinema.

Antes mesmo de entrar no cinema eu e meu atual ficante, Matheus, fomos acometidos por todos os olhares dos que estavam presentes no interior do shopping. Parecia que eles nunca haviam visto duas pessoas se cumprimentarem com um simples beijo. Ao dar o horário fomos até a bilheteria e entramos na sala onde iria passar o filme escolhido: Cloverfield, Monstro.

A ver que a sala estava completamente vazia eu pensei, menos mal um pouco de paz e sossego. Mas, é como dizem, felicidade de pobre dura pouco. Logo em seguida dois casais, por volta de seus 25 anos, entraram na sala falando alto e dando risada. Ao nos ver sentados e ao reparar que estávamos de mãos dadas já viramos o alvo dos comentários. Por mais que eu seja uma pessoa centrada chega uma hora que não dá mais para agüentar. Ao perceber meu estado Matheus deu o primeiro passo para tirar satisfação. Os dois rapazes riram e desconversaram, mas a melhor resposta foi de uma das garotas. Ela disse: Não somos preconceituosos, só não aceitamos o fato de “vocês” estarem aqui dessa forma. Como se nós dois fossemos como o monstro que mais tarde apareceria na telona.

Dizer que não é contra ao homossexual, mas a homossexualidade não muda em nada, é apenas um trocadilho para não assumir o preconceito. O homossexual não precisa do perdão ou da aprovação da religião para vivenciar sua sexualidade. É como dizem: ninguém impede ninguém de ser o que é e ninguém parece impedir ninguém de ser diferente do que é, mas pode dificultar. O choque da união homossexual vem do social, que formata as mentalidades para com qual gênero e sexo biológico devam sentir prazer e se acasalar. O homossexual é esse “estranho” que não chega nunca, que não se fixa e que desassossega o social com seu potencial de metamorfose que pode oscilar entre o masculino e o feminino. O gay é para o heterossexual uma cópia da cópia, e não uma cópia do original. E em países de cultura machista os homossexuais são discriminados e perseguidos e, muitas vezes, levados à morte.

As sociedades permitem ao homossexual uma concessão mal definida, mas não o direto de igualdade, a exemplo de que não é livre para expressar em público, dentro dos limites que são permitidos aos heterossexuais, os seus afetos. Se divertir com o gay caricato, como, por exemplo, em programas como Zorra Total e A Praça é Nossa, não significa tê-lo aceito como cidadão, que ainda luta pelo essencial modo de viver: sem opressão, casar, adotar filho, etc. O perceber-se homossexual, em geral, é um processo lento de luto, com revolta, culpa e negação, bem como de tentativas para cumprir seu dever de macho viril e reprodutor, que a esse papel está condicionado.

No cotidiano das sociedades a homossexualidade, por vezes, parece um “mau” que tem de ser extirpado porque denuncia uma “falta genética” da espécie humana. Se a heterossexualidade dita normal, aprovada e promovida é um manancial de desencontros e complicações; a homossexualidade que é condenada não poderia deixar de ser, de algum modo, afetada. Considerado o contexto da sua ilegalidade, até que não seria de se estranhar que a mesma fosse, de fato, anormal.

Quanto mais inseguro da sua masculinidade, mais o heterossexual evita contato seja formal ou de amizade como o homossexual, discrimina e, por vezes, o persegue. Imagina o que os outros possam vir a pensar dessa proximidade, acreditando que todo homem desperta tesão no homossexual, e ele próprio teme que possa vir a sentir algum desejo homoerótico. Para afastar estes fantasmas usa o homossexual como saco de pancadas para resguardar sua masculinidade. Quando mais ataca mais se desvencilha das dúvidas que o corroei. Portanto, a aversão é a saída para se garantir de qualquer risco.

Este país é tido como liberal, entretanto imoral é o “beijo gay” que jamais foi mostrado na telinha. Isto seria, por demais, agressivo à sensibilidade do telespectador, que tem estômago para ver e sentir a violência no seu dia-a-dia, mas não a manifestação do amor pelo viés da homossexualidade. O mais grave não é o fato de mostrar ou não. Mas de criar expectativa e, depois, apenas insinuar. Assim, inscreve a homossexualidade na “anormalidade”. A concessão social somente permite tal “indecência” na avenida, em clima de carnaval, no Dia do Orgulho Gay. Talvez o orgulho esteja no fato de que nesse dia pode beijar.

Enquanto caricato o homossexual é tolerado, pois é um “não homem”, um “homem em falta”, e assim atenua a afronta, e acentua o abismo das diferenças. Uma maior visibilidade, não quer dizer aceitação, ou que o homossexual deixou de ser discriminado. Caso fosse, o Brasil que tem a maior passeata gay do mundo, não séria também “o campeão mundial de assassinatos de homossexuais”.

Uma vez que se considera que a relação homoerótica teria de reproduzir o modelo heterossexual dominador/dominado, onde um representaria a mulher (passiva) e o outro o homem (ativo). Finalmente, as referências utilizadas para se fazer reféns de preconceito não tem consistência, mas funcionam muito bem para esse fim. Porém, o preconceito contra o homossexual é cíclico, ora mais sutil ou simbólico; ora mais corrosivo, mediante o contexto social e político. Mas, não acaba nunca porque “a homossexualidade é a expressão de uma tendência universal existente em todos os seres humanos, decorrente de uma predisposição bissexual enraizada”. Daí a homofobia. Somente o direito de igualdade, punição à discriminação, exemplos de decência dos discriminados, e pesquisas, poderão depurar essa desagradável situação em gerações vindouras. Do contrário, o homossexual será o eterno excluído porque a construção da masculinidade é insustentável.

Pelo menos o lanterninha do Cinemark ficou do nosso lado e ameaçou retirar da sala os dois casais caso eles não se retificassem conosco. Se pelo menos mais pessoas respeitassem as escolhas dos outros nós poderíamos viver em um mundo melhor.